domingo, 9 de agosto de 2015

Meus tetravós mataram o Presidente Parrudo

Publicação: 2015-04-05 00:00:00 | Comentários: 0
Marcius Cortez Escritor

O Coronel Estevam José Barbosa de Moura e sua mulher, Maria Rosa, tinham o poder de tocar numa coisa e essa coisa imediatamente virava ouro. No Rio Grande do Norte daquela época não tinha ninguém mais rico do que meus tetravós. Porém quis o destino que um imprevisto desabasse sobre a vida deles como uma terrível tempestade.

A loja Maçônica “Sigilo Natalense” incumbira meu tetravô de dar um cartão amarelo para o Presidente do Rio Grande do Norte, o baiano Manoel da Silva Lisboa, mais conhecido como Parrudo. E foi aí que a porca torceu o rabo porque Parrudo não aceitou a advertência. Fazendo jus ao nome, ele esbofeteou, xingou, humilhou, fez gato e sapato com a honra do trisavô da minha mãe. Porém o que Parrudo não sabia é que o fracote Coronel Estevam era casado com uma senhora da mais fina e sanguinária aristocracia rural nordestina. Para começo de conversa, Maria Rosa tratou de exilar o marido no Ceará, “olhe fica lá e deixa comigo”.

Numa bela tarde de abril, precisamente em 11 de abril de 1838, Parrudo balançava-se na rede com uma de suas Lolitas quando João Alves lhe apresenta o passaporte para a morte, descarregando no peito da vítima todo o chumbo do bacamarte. Os capangas que acompanhavam o pistoleiro fincaram ainda duas peixeiras no corpo de Parrudo. Em 1941, Câmara Cascudo e Eloi de Souza, escrevendo sobre o assunto na Revista do Instituto Histórico do RN, atentaram para um detalhe sórdido: um dos capangas decepou o dedo de Parrudo, onde havia um anel de brilhante.

Gente rica é outra coisa. Ninguém foi preso. O crime, como observou o escritor Ticiano Duarte em crônica publicada nessa Tribuna, “Ficou impune. Já se passaram 176 anos”. Ticiano, arguto, transcreve um comentário do nosso Cascudo: “jamais a verdade sairá do poço”.

Eu, como descendente dessa nobre dupla, prometi a mim mesmo que a primeira coisa que direi a vovô Estevam e a vovó Maria Rosa quando encontrar com eles no inferno é que honra não se lava com sangue, se lava é com tutano. Mandar o opositor para a terra dos pés juntos é extrema burrice, coisa sem imaginação, atrasada, improdutiva. O opositor deve ser a nossa referência para sermos melhores do que ele. Quem não tem competência não se estabelece, ainda é a mais inteligente verdade desse negócio matreiro, corrupto e complicado que é a política. O resto, como se costuma dizer, é o luar de Paquetá.

Lembro bem da minha bisavó, neta do casal assassino. O nome dela é o mais descarado sinal da arrogância de uma mentalidade ainda presente entre nós. Minha bisavó se chamava Maria Rosa, filha de Maria Rosa Moreira Castelo Branco, por sua vez filha de outra Maria Rosa. O crime cometido por Estevam e Maria Rosa Moura foi como se não tivesse existido. Crime escondido com rara eficiência. Mamãe, por exemplo, desconhecia a existência do assassinato do Presidente Parrudo. Da minha parte, asseguro que não terei dó nem piedade do desespero e da horrenda loucura que contaminou meus tetravós. No inferno, eles passam o tempo todo lavando as mãos, dia e noite, anos, séculos a fio, eternidade infinita. Lavando as mãos que permanecem sujas de sangue e exalam um cheiro pior do que o enxofre dos demônios. 

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